Como na fábula, alguns são devorados no meio do caminho.
Os mais apreciados pratos da culinária japonesa são preparados com peixe fresco. Mas as águas próximas ao Japão há décadas não produzem quantidade suficiente para atender a demanda. Para que os japoneses pudessem saborear seus pratos preferidos, os pescadores precisaram ir cada vez mais longe da costa, porém o tempo de retorno fazia com que os pescados começassem a se decompor. Tentaram instalar congeladores nos barcos, mas o sabor dos peixes congelados foi rejeitado. Colocaram, então, tanques nos navios, mas pela falta de espaço, eles paravam de se debater e morriam. Para resolver o problema, a solução foi inusitada. Dentro de cada tanque foi colocado um pequeno tubarão. No trajeto ele comia alguns peixes, mas a movimentação causada pela ameaça do predador fazia com que a maioria dos peixes chegasse viva na costa.
Essa breve história, frequentemente utilizada em aulas de marketing, ilustra um comportamento que parece não ser apenas da natureza dos peixes. Por aqui, há muito se fala sobre o impacto que a transformação digital vem causando ao mercado, ameaçando negócios antes consolidados. A preocupação é procedente, mas, como na fábula do “tubarão no tanque”, a situação também pode ser compreendida como algo positivo. Em uma posição de aparente estabilidade, as empresas tendem a se acomodar e o surgimento de um novo paradigma pode gerar uma saudável inquietação.
Nesse contexto, o cenário passa a ser outro. O parâmetro de comparação entre produtos e serviços começa a mudar e o mercado passa a ser mais exigente. Para sobreviver, ou mesmo aventurar-se em novas oportunidades, é necessário reavaliar o negócio como um todo. Normalmente, as corporações supervalorizam o legado de seu histórico. “Sempre fiz assim e conquistei muitos clientes, por que agora preciso ser diferente?” Esse pensamento recorrente é o responsável pela estagnação e morte de muitos negócios.
Relembro abaixo alguns cases emblemáticos de empresas que foram inicialmente pioneiras e acabaram sendo ultrapassadas por não enxergarem os novos movimentos de mercado.
Blackberry
A Blackberry foi praticamente a inventora dos smartphones. Seus aparelhos dominavam o cenário no final da década de 1990 e foram responsáveis pelo início do mercado de celulares com acesso à internet. No entanto, ignoraram a experiência do usuário, que há algum tempo já se queixava de alguns problemas, como o pequeno tamanho das telas. Acabaram sendo superados pelos smartphones da Apple e da Samsung. Após uma forte crise resultante da queda nas vendas, a BlackBerry foi vendida em 2013 e hoje a marca tenta se reconstruir com aparelhos que usam o sistema operacional Android.
Xerox
A Xerox foi a primeira empresa a criar o computador pessoal e também o mouse ainda em 1973, antes da Microsoft e da Apple. Porém, seu posicionamento inicialmente inovador não foi suficiente para se manter na vanguarda. Sua alta gestão não acreditou que as criações de sua equipe tivessem apelo de mercado suficiente e interromperam um ciclo de inovação. Hoje é sinônimo de fotocópia e ficou completamente ultrapassada.
Nokia
Entre a década de 1990 e início dos anos 2000, a empresa finlandesa dominava o mercado de celulares. Porém, acreditou que isso, por si só, bastaria para se manter na liderança. Quando a Nokia resolveu atualizar o seu dispositivo já era tarde demais, o seu sistema operacional foi rejeitado, o Android e iOS já eram os preferidos dos usuários. Atualmente, a empresa busca voltar ao mercado através de parcerias com outras marcas.
Esses cases conhecidos nos convidam a fazer reflexões sobre nossos próprios negócios. “Será que o meu produto/serviço segue sendo tão bom quanto acredito?”, “Quais as reais expectativas e necessidades de meus clientes?”, “Em que direção está indo o meu mercado?”, “O que meu concorrente está fazendo de diferente?”.
Ao responder essas e outras questões, é possível antecipar-se às mudanças, e não apenas seguir com atraso as tendências lideradas pela concorrência. O fundamental é manter-se em movimento. Como na fábula, alguns peixes são devorados no meio do caminho, e você não gostaria de ser um deles, certo?
Artigo da diretora da Hypervisual Letícia Polydoro. Leia mais no Blog A Vez da Experiência no portal do Grupo Amanhã.